junho 2022 MERCADOS 25 PORTUGAL E ÁFRICA DO SUL SÃO VELHOS AMIGOS QUE SE DESCONHECEM CORDIALMENTE Enquanto Embaixador em Pretória, saúdo a atenção que a Revista Portugalglobal está a dar à África do Sul. >POR MANUEL CARVALHO , EMBAIXADOR DE PORTUGAL NA ÁFRICA DO SUL Com o olhar a partir daqui e já com alguns anos de perspetiva, há muito que me interpela o recíproco desco- nhecimento e as imagens-feitas que marcam a forma como dois países amigos e com uma longa história comum se observam mutuamente. E essas observações – incompletas ou distorcidas – acabam por limitar um relacionamento que devia ser trans- versalmente mais denso. Olhando daqui para Portugal, de Sul para Norte, a perceção é frequente- mente marcada pelas imagens passa- distas e, até colonialistas, raramente integrando a modernidade, inovação e qualidade com que nos posiciona- mos atualmente. Em sentido inverso, a África do Sul é um país de perigos, violências e catástrofes, quase tudo o que as notícias daqui fazem chegar aos leitores europeus. Só as más notí- cias são notícias… Sem esquecer o nosso passado nas suas sombras e também nas suas lu- zes, nem ignorar os problemas na África do Sul, constato que há algo a fazer para irmos além dos clichés e para valorizarmos as oportunidades e complementaridades que existem de ambos lados. A África do Sul é a mais diversificada economia africana e uma das maiores do continente, com um PIB sustenta- damente de mais de 300 mil milhões USD, provavelmente com a única clas- se média digna do nome, com milhões de consumidores sofisticados e possi- velmente a única com um ambiente de negócios internacionalmente reco- nhecível. Neste mercado um contrato é um instrumento protegido pela lei e pelos juízes (e não uma precária troca de favores, à mercê do parceiro local), os bancos são bancos, as estradas são estradas, em quase todo o país se pode beber a água da torneira, os hospitais são hospitais e, em suma, – na economia formal, multirracial – a vida se assemelha aos padrões que co- nhecemos nos países desenvolvidos. Além disso, tem imprensa livre e aguerrida perante os abusos. Um Par- lamento nacional eleito livremente, onde a oposição interpela o Governo. Um banco central credível, que con- trola a inflação e mantém o valor da divisa, apesar das oscilações usuais em economias emergentes: quando aqui cheguei em 2017 um euro valia 16 rands e alguns cêntimos; e agora, em 2022, um euro vale 16 rands e alguns cêntimos, com o câmbio flutuando em mercado livre e com liberdade de circulação de capitais. É possível repa-
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